O Borj Nador, atalaia portuguesa da cidade de Safim
A guerra nas praças portuguesas em Marrocos fazia-se sobretudo nos terrenos que as circundavam, já que os seus habitantes, apesar de confinados ao perímetro muralhado enquanto reduto seguro, precisavam de sair dele todos os dias para efectuar tarefas fundamentais à sua subsistência.
A recolha de lenha era uma delas, o desenvolvimento de uma agricultura de carácter precário e de produção extremamente limitada era outra, a garantia de pasto para as poucas cabeças de gado que detinham outra ainda. Sem essas actividades a vida nas praças seria muito mais dura, não só porque permitiam que a dieta dos seus habitantes não se limitasse ao biscoito e carne seca, mas fosse também composta por alguns frescos, para além do próprio aspecto psicológico que tinha a saída diária fora de portas, que atenuava a sensação de encarceramento que a vida nas praças originava.
Para garantir que essas tarefas se realizavam com um mínimo de segurança e eficiência, os portugueses desenvolveram sistemas defensivos engenhosos, sujeitos a procedimentos rotineiros rígidos.
A Calheta de Mazagão, com a Porta do Mar e a pequena Porta da Ribeira, esta última local de desembarque dos abastecimentos à praça
A situação de isolamento em que as praças se encontravam obrigava ao seu abastecimento a partir da metrópole e a questão dos alimentos era de grande importância. Os próprios vencimentos dos funcionários eram pagos em dinheiro e em alimentos, como esclarece David Lopes:
“Todos estes funcionários recebiam do Estado duas espécies de vencimentos: um ordenado em dinheiro e outro em alimento. Ao primeiro chamava-se tença, ao segundo mantimento ou resguardo (…) pelo regimento de 1472, dado a Rui de Melo, capitão de Tânger, a sua tença era de 68.568 reais anuais e mantimentos 62.920 reais anuais, calculados na base seguinte: 15 reais o alqueire de trigo, 1.000 reais o tonel de vinho de 52 almudes, 27 e meio reais a arroba de carne, 4 reais e 7 pretos cada pescada.” (LOPES, [1937] 1989, p. 45)
Para além do vencimento, os capitães ainda usufruíam de outras rendas, como se documenta no caso de D. João de Meneses, capitão de Arzila: “Este capitão tinha ainda os quintos das cavalgadas e presas de terra e mar e os quintos dos tributos dos mouros de pazes”. (LOPES, [1937] 1989, p. 45)
Rua no Castelo de Arzila
Os cereais constituíam o grosso das importações da metrópole, sobretudo o trigo em grão ou sob a forma de biscoito, que tinha um tempo de conservação considerável, mas outros produtos faziam parte do rol, conforme registou o almoxarife de Tânger, Sebastião de Vargas, numa relação de alimentos a si entregues para abastecer a cidade durante um período de três anos:
“Dinheiro, 14.917.309 reais; trigo, 4.805 moios; farinha, 900 alqueires; grão, 264 alqueires; biscoito, 2.521 quintais; vinho, 23 botas e 16 pipas; vinagre, 100 canadas; azeite, 54 canadas; carne, 28 arrobas; pescadas, 500 dúzias.” (LOPES, [1937] 1989, p. 49-50)
O biscoito era de tal forma importante para a subsistência das praças, que ainda hoje o termo bisketo faz parte da Darija marroquina.
A situação deficitária de Portugal em termos de produção de trigo tornava as coisas mais difíceis, recorrendo-se frequentemente ao trigo da Andaluzia, chegando a fundar-se uma feitoria no Porto de Santa Maria para esse fim. Nos períodos de acalmia nas praças do Sul, nomeadamente durante a capitania de Nuno Fernandes de Ataíde em Safim, as praças do Norte recebiam trigo da Duquela.
Os campos da Duquela junto ao Cabo Beddouza
Os tributos dos mouros de pazes eram assim de grande importância, bem como o produto dos saques, o que em parte também explica o clima de guerra permanente, mesmo quando vigoravam os tratados de paz…afinal a guerra era bem mais lucrativa que a paz e as hostes portuguesas estavam cheias de nobres e aventureiros em busca de riqueza, como deu conta a D. Manuel o alcaide mouro Yahya Bentafuft numa carta escrita em português aljamiado:
“O capitão e os cavaleiros que cá estão não querem paz, senão guerra, e isto fazem por não terem nenhum proveito da paz.” (LOPES, [1937] 1989, p. 34)
As correrias eram particularmente lucrativas ao nível do roubo de gado e rapto de populações para venda como escravos. Numa correria proveitosa, chegavam a trazer-se para a praça mais de 500 cabeças de gado! Quanto aos cativos, os homens que aceitavam a conversão ao cristianismo eram integrados nas forças de elite das praças, os almogávares, como batedores e as mulheres utilizadas para tarefas domésticas. Os outros eram colocados nas masmorras e faziam os trabalhos agrícolas no campo exterior ou eram vendidos como escravos e embarcados para Portugal.
A Porta da Vila de Arzila, principal acesso ao campo exterior
O campo exterior era única possibilidade de as praças terem abastecimentos de frescos, sobretudo ao nível dos legumes e frutas, de garantir a sobrevivência do gado e de se recolher lenha para cozinhar. É claro que a pesca tinha também um peso decisivo na dieta dos seus habitantes, sobretudo pela ligação preferencial das praças com o mar.
Mas para que essa agricultura de subsistência fosse possível, teria que se estruturar um modelo de defesa e vigilância capazes de garantir a segurança dos trabalhadores agrícolas e da própria praça, que se desguarnecia momentaneamente durante os períodos em que as suas portas ficavam abertas.
Uma imagem da muralha portuguesa de Tânger
Essa preocupação está patente no Diário Tangerino de Afonso Fernandes, referindo o seu autor, Benjamim N. Teensma, que “enquanto os homens andavam dispersos pelo campo, eram vulneráveis pelo inimigo, porque o terreno acidentado e por partes coberto de densa vegetação proporcionava, apesar de toda a vigilância, muitos esconderijos a infiltrantes que tivessem chegado de noite com a incumbência de espalhar o pânico, causar estragos, e eliminar tantos adversários quanto possíveis” (TEENSMA, 2008, p. 28). E cita Braz Fernandes Couto: “Nunca ninguém perdeo fazendo as cousas sobre seguro (…) para huma cousa de tanta importância, em que se arrisca huma cidade, são necessário todas as prevençoens”. (TEENSMA, 2008, p. 30)
Afonso Fernandes fornece pistas valiosas sobre esta estrutura defensiva exterior de Tânger, mas é na obra de Adolfo Guevara Arcila durante la ocupación portuguesa, baseada nos escritos de Bernardo Rodrigues, morador nessa praça, que melhor se compreende a eficácia desta simbiose entre elementos defensivos precários e procedimentos rotineiros.
Gravura de Arzila no séc. XVI da obra Civitates Orbis Terrarum de Braun e Hogenberg, 1572. É notória a representação do campo exterior, encravado entre a cidade e as colinas circundantes, com destaque para os outeiros de Fernão da Silva e Pero Cão, e o Rio Doce. No centro da gravura, ao fundo, a Atalaia do Facho
O campo exterior de Arzila, entendido como os terrenos circundantes à praça onde se desenvolviam actividades agrícolas e pecuárias diárias, era organizado de forma racional e sistematizada, tirando o máximo partido da sua área, hierarquizada, distribuindo as funções de acordo com a sua importância e necessidades de mão-de-obra, e militarizada, criando obstáculos a possíveis ataques e permitindo a qualquer momento a sua evacuação em segurança.
Abarcava uma área de cerca de 130 hectares, contra os apenas os 8 hectares da área muralhada da cidade, e tinha um perímetro de cerca de 6 quilómetros, dos quais 3,5 eram cercados por valados ou valos, muros de pedra com cerca de 1,7 metros de altura. Os valados eram como que uma segunda muralha, de carácter mais rudimentar, com a função de evitar ataques repentinos com utilização de cavalaria, que pusessem em causa as manobras de retirada para o interior da cidade. Existiam dois valados principais _ um ao longo da praia, e outro na frente de contacto com o interior do território, a Nascente, ligando as 3 atalaias principais _ o Facho, a mãe de todas as atalaias, o Outeiro de Fernão da Silva e o Outeiro de Pero Cão. Dos lados Norte e Sul o campo era protegido naturalmente por dois cursos de água, o Rio Doce ou Oued Helu e uma ribeira cuja designação não consta das fontes consultadas.
O sistema defensivo do campo exterior de Arzila. Fonte Adolfo Guevara (GUEVARA, 1940)
O Facho era uma torre construída e tinha a função de centralizar toda a informação emanada dos terrenos circundantes, nomeadamente das chamadas atalaias curtas, que adiante se referem, e enviá-la para a Torre de Menagem da praça, a partir da qual eram dados os alertas.
No campo, as hortas ocupavam o lugar mais próximo das muralhas da cidade, pelo facto de exigirem a maior parte da mão-de-obra e de guardarem os alimentos mais valiosos. Ao longo do fosso do atalho, entre os Baluartes de Tambalalão e de Santa Cruz, ficava o Terreiro das Hortas, com destaque para a Horta do Conde, governador da praça. Entre esse Terreiro das Hortas e o Facho situavam-se outras hortas, estruturadas através de um caminho de ligação e 4 caminhos perpendiculares, delimitadas por muros de pedra. Para fechar esses caminhos em caso de ataque, sobretudo com cavalaria, eram colocadas tranqueiras ou paliçadas, estruturas de madeira amovíveis que funcionavam como portas.
“Este sistema de barricadas e paliçadas impediam todas as manobras da cavalaria marroquina, que periodicamente corria a vila, tendo que avançar por estreitas ruelas, derrubando troços de muros, em diversos sítios, a fim de poder evoluir com certo desafogo.” (GUEVARA, 1940, p. 31)
Nas áreas mais afastadas do campo ficavam os pomares e o laranjal, onde também se cultivavam cereais, a vinha e as pastagens para o gado. A zona Norte do campo era designada Pontinhas.
Planta de Mazagão de 1802 de Ignacio António da Silva. Biblioteca nacional de Portugal. Nesta planta é visível a organização do campo exterior, em termos de parcelamento em talhões e implantação de estruturas militares
A vida nas praças estava intimamente relacionada com a própria actividade desenvolvida no campo exterior e seguia um procedimento rotineiro diário. Às primeiras horas do dia saíam os escutas ou atalhadores, que examinavam cuidadosamente todo o campo, procurando infiltrados que se tivessem escondido durante a noite para emboscar os lavradores. Um testemunho do século XVIII descreve estes perigos na praça de Mazagão:
“Todo o campo que se avista da fortaleza é plano, só para o lado direito fica um pequeno outeirinho: os mouros que vêm, não a investir mas sim a roubar, se escondem junto dele, até que chegue a noite para, no silêncio dela, virem a meter-se nas hortas. A gente que da praça sai a este costumado e preciso exercício de conduzir lenha vai observando todos os sítios e vendo se ficaram alguns escondidos; porque são tais os mouros que, quando não têm parte cómoda para as suas emboscadas, cavam no chão poços estreitos da altura de uma braça e neles se escondem, até que os do presídio, que vão a cortar a lenha ao mato, passem adiante; então, quando mais ocupados os vêm no exercício de cortar e carregar, de dentro do mato lhes saem magotes deles, que os obrigam a montar, e, tomando as armas, a porem-se em defesa, vindo sempre retirando-se para junto da praça; os que ficaram metidos nas covas e poços, que têm feito, lhes saem pelas costas com que, apanhando-os no meio, se lhes faz dificultosa sem que seja por meio de muito sangue. Este é o contínuo exercício dos habitantes de Mazagão, de que são tantas as batalhas como os dias; porque apenas haverá um em que não haja um choque, uma escaramuça, uma emboscada, um assalto, uma batalha.” (LOPES, [1937] 1989, p. 42-43)
As atalaias curtas de Arzila. Fonte Adolfo Guevara (GUEVARA, 1940)
Após a inspecção ao campo feita pelos atalhadores, saíam os atalaias, que ocupavam as suas posições no cimo de determinadas colinas. Com eles iam os costas, que lhes davam protecção, posicionando-se na base das mesmas colinas. Se o campo estivesse seguro, os atalaias informavam o Facho dessa mesma situação e o facheiro içava uma cesta forrada com pano no mastro situado no cimo da torre. O sinal era recebido na Torre de Menagem do Castelo e o governador dava então ordem para os trabalhos no campo se iniciarem através de 5 badaladas do sino.
Ao mínimo sinal de perigo, o facho era arreado dando o alerta. Da Torre de Menagem partia a ordem de evacuação do campo exterior, comunicada através de tiros de canhão.
A eficácia do sistema de alerta baseado nas atalaias foi comprovada pelo vice-rei de Granada, quando fez escala em Arzila, quando se encontrava em perseguição do corsário Khayr Ad-Din Barbarossa. Nessa ocasião, o capitão de Arzila D. João Coutinho fez-lhe uma demonstração do estado de preparação da sua praça para qualquer eventualidade. “Quando andavam na visita do campo, o conde mandou derrubar o facho, que estava na atalaia do Facho, e logo a torre do sino deu a rebate e em momentos viu junto de si 250 de cavalo, bem armados, o que o marquês muito admirou e louvou.” (LOPES, [1937] 1989, p. 48)
A Atalaia ou Outeiro de Fernão da Silva em Arzila
O Facho nos anos 40 do século passado, numa imagem de Adolfo Guevara
Imagem actual do Facho de Arzila
Nos períodos das colheitas a área de vigilância em torno de Arzila era ampliada para um raio de 8 a 10 quilómetros, somando-se às atalaias curtas as atalaias largas, o que aumentava significativamente o tempo de alerta disponível. Activadas as atalaias largas, e ampliada a área do campo exterior da praça, organizavam-se caçadas aos javalis, coelhos, antílopes e gazelas. Frequentemente organizavam-se batidas aos leões e chacais, responsáveis por várias mortes de lavradores e cabeças de gado, como refere Bernardo Rodrigues:
“Neste ano, 1530 vieram tantos leões ao nosso campo depois de esgotarem os javalis e outros animais. Vinham ao redor da vila buscar que comer, e afirmo que matámos à lançada 26 leões, fora outros que matámos com espingardas.” (RODRIGUES, [156-] 1919, p. 181)
Os episódios com leões são inúmeros nos escritos de Bernardo Rodrigues, tanto em ataques a pessoas da vila e ao gado, como nas perseguições que faziam aos almogávares na condução de gado roubado nas aldeias vizinhas:
“E nesse tempo se lançou outro leão no fosso de Arzila, para comer 4 ou 5 porcos que nele estavam, e o que é mais espantoso, voltou a sair, tendo aquele 35 ou 40 palmos de altura, pois como fosse sentido e do muro lhe dessem grandes gritos, desonrando-o de vilão, que não sairia dali e seria morto e pagaria a ousadia que teve em entrar no fosso, é de notar, que ouvindo a gritaria do muro, não quis comer os porcos, para não se empanturrar e depois de empanturrado, não poderia sair e dar o salto que deu, subiu o cano que atravessa o fosso, por onde vai a água para a fonte pública, e tantas vezes tentou saltar, que cravou as unhas nas pedras e cantos de cima, saindo para fora, e hoje em dia estão as garras marcadas no alambor, por ser a pedra de Arzila, áspera e da qualidade das mãos do barbeiro.” (RODRIGUES, [156-] 1919, p. 147-150)
Principais correrias referenciadas nos escritos de Bernardo Rodrigues e toponímia utilizada pelos portugueses. Fonte Adolfo Guevara (GUEVARA, 1940)
Todo este sistema defensivo era complementado com um outro, ofensivo ou preventivo, baseado na actividade dos almogávares, força de intervenção rápida que atacava as aldeias vizinhas roubando gado, fazendo cativos e causando destruições. Liderados por almocadéns ou batedores, todos eles marroquinos capturados e convertidos, atacavam às primeiras horas do dia e procuravam anular possíveis ataques à praça e afastar as aldeias para lugares mais distantes.
As suas correrias tinham geralmente como objectivo as serras de Alhabibe, para lá do Rio Farrobo, as aldeias situadas na zona da Boca de Campanes, na Serra de Benamares, e o chamado Campo de Alcácer (Quibir), a Sul do Rio da Ponte, actual Oued El Makhizen.
Morabito no Campo de Alcácer Quibir
Do outro lado, a resistência contra o agressor português, L-Bartqiz, era levada a cabo por acções da iniciativa directa do Sultão de Fez, que utilizava Ksar El-Kebir como seu principal posto avançado, cujo alcaide era Sidi Talha Al-Arous (Cide Talha Laroz) ou pelos alcaides mouriscos das cidades de Tetuan e Chefchauen, Sidi Ali Al-Mandari (Almandarim) e Mulai Ali Berrechid (Barraxe).
A defesa marroquina estava organizada em dois sectores principais. O sector Nascente, que agrupava as tribos dos Jebel Habib, Beni Mesuar e Beni Idder, dependia da alcaidaria de Chefchauen. Neste sector foi criada uma força de almogávares mouriscos expulsos da península comandados por Ali Fernando. Por ordem de Mulai Ali Berrechid, foi construído um castelo como seu posto avançado “ao pé de Almeida, junto ao Rio Farrobo” (GUEVARA, 1940, p. 68). O sector Sul, que agrupava as tribos Beni-Arous, Beni Gorfet e Ahl-Serif dependia da praça de Ksar El-Kebir.
Os alcaides criaram um sistema defensivo nas aldeias semelhante ao que os portugueses criaram para Arzila, que consistia de tranqueiras e paliçadas de madeira de protecção e sistemas de alerta baseados em atalaias e pequenos fortes, formando uma “linha de observação, que partindo do Jebel-Habib, continuava por Beni-Arous, Beni Gorfet, Ahl-Serif, Mejazen, Uarur e outeiros próximos de Alcácer” (GUEVARA, 1940, p. 68). As planícies situadas entre as atalaias portuguesas e as marroquinas eram consideradas “terra de ninguém e estavam desabitadas”. (GUEVARA, 1940, p. 68)
Chefchauen (Xexuão), cidade fundada por Mulai Ali Berrechid
Os ataques dos almogávares portugueses eram frequentes e impiedosos, queimando as aldeias e raptando ou matando os seus moradores. A frequência desses ataques obrigou em muitos casos a que os moradores se dispersassem, levando o gado de noite para as serras, onde cultivavam pequenas hortas, havendo notícia da existência de túneis para fuga e protecção das populações. (GUEVARA, 1940, p. 69)
Todas as manhãs, atalhadores percorriam o campo em grupos de dois, prestando especial atenção às entradas dos vales. Após reunirem com os seus companheiros dos sectores vizinhos, transmitiam aos atalaias que estava tudo seguro. Os fachos eram içados e os camponeses desciam das serras com o gado para mais um dia de trabalho no campo. Como refere Bernardo Rodrigues, “o Conde soube que os atalhadores de Beni-Arous se encontravam todos os dias com os do Farrobo e os do Garraf e o Aiun, com os de Zahara”. (GUEVARA, 1940, p. 68, citando RODRIGUES, 1915)
Caso fossem detectadas forças portuguesas o alerta era dado com tiros de bombarda e as forças eram reunidas para fazer frente ao invasor.
Cicatrizes do campo exterior de Arzila no traçado viário actual da cidade
Apesar de efémera e precária, a estrutura defensiva que os portugueses implantaram no campo de Arzila acabou por perdurar, sem prejuízo de que as condições da topografia influenciam decisivamente toda e qualquer ocupação do território. A conjectura que se apresenta na imagem anterior encerra assim uma forte carga especulativa, que no entanto merece ser aventada, tal como o fez Adolfo Guevara na formulação dos seus croquis, sobre os quais afirmou:
“Não existindo plano, nem desenho algum da época, que nos descreva a implantação deste sistema defensivo, fácil é compreender a impossibilidade de traçá-lo, e apenas baseando-nos em relatos do cronista contemporâneo, atrevemo-nos a publicar um ‘croquis’, do sector nordeste, contando com a benevolência dos nossos amáveis leitores, com o desejo de dar uma vaga ideia daqueles muros e paliçadas”. (GUEVARA, 1940, p. 31-32)
Bibliografia:
GUEVARA, Adolfo. “Arcila durante la ocupación portuguesa (1471-1549)”. Publicaciones del Instituto General Franco para la Investigacion Hispano-Arabe. Tânger, 1940
LOPES, David. “A Expansão em Marrocos”. Editorial Teorema, Lisboa, 1989 (Publicação original BAIÃO, António, CIDADE, Hernâni e MURIAS, Manuel . “História da Expansão Portuguesa no Mundo, 3 vols. Editorial Ática. Lisboa, 1937)
RODRIGUES, Bernardo. “Anais de Arzila, crónica inédita do século XV, Tomo 1 (1508-1525)”. Academia das Ciências de Lisboa. Coimbra, Imprensa da Universidade, 1915
TEENSMA, Benjamin N. “O Diário Tangerino de Afonso Fernandes”. Câmara Municipal de Lagos, 2008
Interessante
Histórias que deviam ser melhor estudadas, já que contribuem para o conhecimento do dia a dia nas Praças
Grande travalho!
Obrigado
Parabéns pelo excelente trabalho que ajuda a um melhor conhecimento sobre a passagem dos portugueses pelo norte de África, nomeadamente por Marrocos.
O tema das estruturas defensivas precárias é ainda mais desconhecido do que a generalidade da presença de Portugal em Marrocos, já que não ficaram vestígios evidentes, nem existem desenhos que as descrevam, apenas referências escritas nas crónicas. Por esse motivo são um assunto por explorar que pode trazer muitas informações novas sobre o dia a dia nas praças