O Castelo de Mar de Safim
O Castelo do Mar de Safim, fortificação construída pelos portugueses no início do século XVI para defender o porto da cidade, encontra-se em risco de se arruinar. Parte do seu pano Poente está gravemente fissurado e já sofreu queda de materiais constituintes da sua alvenaria, e a torre circular que remata a couraça do lado Sudoeste colapsou parcialmente.
A comunidade científica e as associações de defesa do Património locais estão empenhadas em encontrar uma solução, e as autoridades estão conscientes da gravidade da situação. As causas do problema são conhecidas, com base nos resultados de vários estudos já elaborados, problema que ultrapassa o âmbito do próprio imóvel, afectando parte das habitações da Medina de Safi.
Várias possibilidades para a reabilitação do edifício se colocam, mas a solução não é fácil, pela sua complexidade, opções possíveis a tomar e custos envolvidos.
Interior do Castelo do Mar
O Castelo do Mar, Qassr Al-Bahr ou Castelo Novo integra-se nas fortificações construídas pelos portugueses após a conquista da cidade no ano de 1508. Desde a conquista de Arzila em 1471 que Safim já era vassala da coroa portuguesa. As condições em que essa relação de vassalagem vigorava constam de um diploma de D. João III, no qual “o alcaide reconhecia o rei de Portugal como seu senhor, por si e por seus concidadãos, presentes e futuros”, pagando para isso um tributo estabelecido, e “o alcaide e moradores da cidade e do seu termo circulariam livremente por todos os domínios portugueses d’aquém e d’além mar e poderiam aí negociar, como os outros seus naturais e vassalos” (LOPES, [1937] 1989, p. 30). A coberto deste acordo estabelece-se em Safim uma feitoria, que no entanto não funciona em pleno devido às rivalidades que se instalam no seio dos habitantes.
Em 1508 Diogo de Azambuja aproveita o clima de desunião existente e transforma a feitoria em fortaleza, tomando de assalto a cidade quando um grupo de moradores lhe pede protecção.
As fortificações de Safim. fonte Jorge Correia
Durante a ocupação portuguesa, que duraria 33 anos, são construídas as fortificações de Safim, que integram três elementos fundamentais _ as Muralhas, o Castelo de Terra e o Castelo do Mar, onde trabalharam os irmãos Diogo e Francisco de Arruda, e Diogo Boitaca.
A cintura de muralhas tem três quilómetros de perímetro, e desenvolvem-se em forma de tenaz abrindo para Poente, de modo a tirar partido da topografia do terreno com a implantação do chamado Castelo do Alto ou Castelo de Terra no ponto mais elevado. É uma cerca com 5 metros de espessura e 7 metros de altura média, em estilo medieval, ou seja, com ameias e adarve, ou caminho de ronda. A sua construção resultou da reformulação da cintura muralhada Almóada, a qual foi atalhada dos seus lados Norte e Sul.
O Castelo de Terra, Castelo do Alto ou Kechla, actualmente designado Dar Sultan, já existia desde o período Almóada, tendo sido remodelado pelos portugueses, que lhe introduziram várias estruturas defensivas, incluindo um imponente baluarte circular para uso da artilharia. As obras do Castelo do Alto só terminariam 3 anos antes do abandono de Safim pelos portugueses.
A Kechla, Castelo de Terra ou Castelo do Alto de Safim
Um imóvel de grande interesse é a antiga Catedral de Santa Catarina de Safim, construída no ano de 1520. Foi o primeiro edifício em estilo Gótico Manuelino construído em Africa. Projectada por mestre João Luís, projecto esse alterado pelos irmãos Diogo e Francisco de Arruda e por Diogo Boitaca, teve a sua construção a cargo do próprio mestre João Luís e, após a sua morte, de Garcia de Bolonha. Promovida pelo Arcebispo D. João Subtil, foi a única sede de Bispado em Marrocos. Durante o abandono da cidade em 1541, D. Manuel ordenou a sua destruição, restando hoje apenas a Capela-Mor e uma Capela Lateral. Originalmente era um edifício de três naves.
O Borj Nador
Do sistema de atalaias de apoio à Praça de Safim ainda existe o Borj Nador, uma torre situada a cerca de 7 km a Norte, na zona de Sidi Bouzid, construída no ano de 1510.
As fortificações de Safim, pela sua grandiosidade e eficácia, espelham a importância desta Praça-forte e afirmam-na como capital da Duquela, território que constituiu no período da capitania de Nuno Fernandes de Ataíde o modelo do relacionamento que os portugueses pretenderam implementar, sem sucesso, nas regiões que ocuparam em Marrocos.
A Torre Albarrã do Castelo do Mar
O Castelo do Mar, Qassr al-Bahr ou Castelo Novo foi construído em 1516 pelos irmãos Diogo e Francisco de Arruda para residência do governador e defesa do porto, encontrando-se originalmente ligado às restantes fortificações através de um tramo de muralha.
Em estilo Manuelino, tem 3.900 m2 de área, cerca de 60 metros de lado e paredes com 3 metros de espessura e 10 a 12 metros de altura. Com pátio central com cisterna, inclui casamatas, torre de menagem e duas torres circulares, uma das quais torre albarrã, rematando o castelo do lado Sudoeste.
Encontra-se classificado pelo Dahir ou decreto de 7 de novembro de 1924.
A Couraça sobre a Falésia Amouni
O Castelo do Mar implanta-se na Falésia Amouni, em situação de escarpa, sofrendo desde a sua construção o efeito das ondas que neste local se faz sentir com particular intensidade e que provoca erosão, contribuindo para um lento recuo da costa. Essa erosão é responsável por uma instabilidade na falésia, resultando no aparecimento de vazios na sua base, que origina o seu descalçamento, a formação de cavidades, a sua desagregação e a queda de blocos, situação à qual não é estranha a própria natureza da rocha que a constitui.
O processo de erosão foi significativamente acelerado com a construção do porto de Safi em 1935, já que o movimento da ondulação sofreu um desvio com a construção do molhe, afectando de forma muito mais forte e directa a falésia.
A linha férrea junto ao Castelo do Mar
Mas a responsabilidade do homem na aceleração do processo de degradação da falésia não se resumiu à construção do porto, já que as descargas de ácido fosfático proveniente das unidades industriais do Office Chérifien des Phosphates, de que Safi é o grande porto exportador, aumentam significativamente o teor alcalino da água e a sua acção corrosiva.
Segundo os estudos desenvolvidos em 1994 pelo LPEE, Laboratoire Public d’Essaie et d’Etudes, a pedido da Wilaya de Safi, que incluíram observações submarinas sob a falésia, as cavidades prolongam-se perigosamente para o interior da baixa da cidade, afectando uma área residencial com cerca de 800 habitações, cujo realojamento se equaciona já.
Os danos no Castelo do Mar estão generalizados, observando-se fissuras sobretudo nas fachadas Norte e Poente, agravadas pelas infiltrações de humidades e por um outro elemento trazido pelo homem _ a linha férrea que corre paralelamente à fachada Nascente, construída para transportar os fosfatos para o porto, e cuja trepidação provocada pelos comboios agrava toda esta situação.
Imagem do pano Poente do Castelo do Mar. É visível a degradação da falésia Amouni e correspondente derrocada da alvenaria do pano exterior de muralha. autor desconhecido
Em 2002 a Associação ASSIF publicou um trabalho da autoria de Said Chemsi, intitulado Castello Novo de Safi dit Château de Mer Portugais, Étude archéologique et perspective de sauvegarde, que não só fazia um diagnóstico da situação, como avançava com medidas de protecção para a falésia, propondo o desvio da linha de comboio para outro local.
Entretanto, parte da alvenaria do pano Poente ruiu em 2003, tendo na altura sido gastos 1,1 milhões de dirhams pela Wilaya (a Wilaya é uma divisão administrativa de Marrocos, correspondendo geralmente ao agrupamento de três províncias), e colocadas barreiras de pedras e betão dentro de água para tentar minimizar a situação. Os canhões portugueses existentes no pátio do Castelo foram removidos do local.
A Torre Albarrã e fachada Sul
A Torre Albarrã que remata o castelo a Sul colapsou parcialmente em 2010, tendo o jornalista Rdouane Baaqili comentado a situação da seguinte forma:
“Esta noite (11 de Abril de 2010) marca um duro golpe para Safi, após a derrocada da torre Sudoeste do Castelo do Mar, obra prima da arquitectura, classificado monumento histórico nacional por mão de um Dahir de 20 de fevereiro de 1924. A derrocada não foi mais do que uma “consequência lógica” do estado em que se encontrava o monumento, desencadeando, para muitos, uma contagem regressiva para o desaparecimento de parte da memória e identidade de Safi, atestando a triste transformação de um grande monumento num montão de pedras que se desmoronam a golpes das ondas.” (BAAQILI, 2010, página electrónica citada)
Abu Al-Qassem Chebri, antigo director do Centre d’Études et de Recherches du Patrimoine Luso-Marocain, comentou em 2012 a situação à revista Al-Arabiya, afirmando que “a erosão ultrapassou o local no qual o Castelo se implanta e estende-se à rua principal e parte da cidade velha”. Chebri referiu também que as paredes do castelo foram sujeitas a várias tentativas de reparação, “no entanto, as mesmas fissuras voltam a aparecer o que significa que o Castelo está em risco eminente de colapso. A falésia sobre a qual foi construído já não aguenta o impacto das ondas.” (AL ARABIYA NEWS, 2012, página electrónica citada)
Esfera Armilar anteriormente existente na fachada Norte do Castelo, hoje desaparecida, cujo motivo do desaparecimento desconhecemos
As soluções propostas desde os anos 90 pelo LPEE têm por base a colocação de sacos de betão no interior das cavidades, por forma a tentar restabelecer a ligação entre a base e o topo da falésia, e anular o trabalho mecânico da ondulação, mas esta solução será ineficaz se os elementos de betão não forem eficazmente argamassados uns aos outros. Complementando esta solução seriam construídas barreiras de protecção, tipo diques, evitando o deflagrar directo das ondas na falésia. Outra solução seria a construção de um muro de betão ao longo da própria falésia, para evitar a degradação do rochedo.
Recentemenete o INSAP, Institut National des Sciences de l’Acheologie et du Patrimoine apelou à elaboração de um estudo com caracter urgente. A proposta é a de transferir o porto industrial e de pesca para outro local, permitindo que a ondulação readquira a sua direcção original, e construir um porto de recreio frente ao Castelo, assegurando a sua protecção e reforçando o caracter turístico da cidade. Deverá ser um projecto integrado, acompanhado de uma proposta de classificação a património da humanidade pela UNESCO.
Imagem aérea da situação actual, vendo-se a zona anteriormente ocupado pelos anexos parcialmente desaparecida. Autor desconhecido
Em 2017 observou-se nova derrocada no pano Poente, especialmente grave, já que o desmoronamento da falésia que então se verificou destruiu parte das dependências existentes no Pátio. A imagem aérea é bem elucidativa dos estragos causados.