As fortificações de Essaouira
No ano de 1506 o Rei D. Manuel encarrega Diogo de Azambuja da construção de uma fortaleza na actual baía de Essaouira, denominada na época Mogador.
Mogador era o porto natural da cidade de Marraquexe e um local de onde partiam ataques contra os navios portugueses, de acordo com Damião de Góis. A sua ocupação viria reforçar a situação militar de Santa Cruz do Cabo Guer, construída um ano antes, e estabelecer uma presença próxima da feitoria de Safim, criada em 1471, perspectivando já a sua conquista. A riqueza em cereais desta zona seria outro factor de interesse para Portugal.
A fortaleza, baptizada com o nome de Castelo Real de Mogador, seria construída nesse ano de 1506, mas Portugal só a conseguiria manter até 1510.
Mogador no século XVIII, com a indicação da localização do Castelo Real, numa gravura de Jacques-Nicolas Bellin
O local onde hoje se implanta a cidade de Essaouira era frequentado desde a antiguidade por pescadores de um molusco chamado múrice ou murix, do qual se extraía um corante de cor púrpura utilizado para tingir tecido, muito abundante nas ilhas situadas defronte da praia. Apesar de o local se ter chamado inicialmente Migdol ou torre de Vigia, designação dada pelos fenícios, os romanos designaram-no Purpuriae Insula, termo que evoluiria para Ilhas Purpurinas, como hoje são conhecidas.
“A origem da designação daquele sítio terá derivado, de acordo com El Bekri, geógrafo do século XI, do nome do santo local Sidi Mogdul. O vocábulo ‘Migdol’ significava torre ou fortificação em fenício e poderá ter apelidado o santo. El Bekri, na Descrição da África Setentrional, afirma que o porto de pesca tinha, a seguir à islamização, esse religioso como padroeiro. É desse hierónimo e através das formas ‘Mogdul’ e ‘Mogodor’, que o nome da povoação surge, já como ‘Mongoder’, nos portulanos do século XIV, daí evoluindo para o topónimo actual.” (LOBO, 2012, página electrónica citada)
O local onde existiu o Castelo Real de Mogador
Há notícias de que os portugueses já se abasteciam de trigo em Mogador antes de 1506, cereal esse destinado às praças da costa de Marrocos.
O local escolhido para construir o Castelo Real foi “em terra firme, na zona do porto de pesca que ali existe” (LOBO, 2012, página electrónica citada), na extremidade da actual Sqala do Mar.
“Para essa edificação deveria contribuir, com o seu apoio, o almoxarifado da próxima Ilha da Madeira. Embora as fontes sejam quase inexistentes, sabemos que foram também importantes outros apoios, conforme nos dá conta um recibo de 7 de outubro de 1507. Nesse documento, João Mendes Correia, feitor de pescarias de atum no Algarve, recebeu a quitação das somas que despendeu em 1506 com o biscoito, a carne, a madeira, a cal, o tijolo e outras coisas que comprou para a construção do Castelo Real que Diogo de Azambuja fez pela ordem do rei em Mogador, de acordo com as cartas de quitação de D. Manuel.” (LOBO, 2012, página electrónica citada)
Os portugueses instalaram inicialmente um castelo de madeira, trazido pré-fabricado desde Portugal, construindo ao seu redor em fase subsequente um outro em alvenaria de pedra, como já tinha sucedido em Santa Cruz do Cabo Guer. “Segundo um plano de trabalhos normal, o castelo ter-se-á edificado em pedra a partir de um primeiro estabelecimento cercado em madeira.” (CORREIA, 2008, p. 334)
A Casbah de Essaouira vista do porto
O edifício construído pelos portugueses era de dimensões reduzidas e de características normalizadas, correspondendo a um modelo que se repetiria noutras intervenções em Marrocos:
“O Castelo Real de Mogador terá formalmente introduzido um modelo simples de implantação de novos castelos portugueses na orla norte-africana que viria a ser adoptado em Aguz, Safim e Mazagão, nos anos seguintes. Trata-se de um quadrângulo amuralhado, flanqueado, em todos ou em apenas alguns ângulos, por torreões ou baluartes cilíndricos e no interior do qual se distribuíam as dependências militares, civis e/ou religiosas.” (CORREIA, 2008, p. 336)
Na praia de Essaouira
O processo de construção foi permanentemente acompanhado de ataques da tribo dos Beni Regraga, fortemente motivados pela Guerra Santa e apoiados pelos Xerifes Sádidas. Por várias vezes os portugueses foram acudidos por tropas enviadas de Portugal, uma das quais por um destacamento de 350 homens enviado da Madeira. Os Beni Regraga, uma sub-tribo dos Masmuda, eram a força dominante na região em conjunto com duas outras sub-tribos originárias do Jebel Hadid, a Montanha do Ferro, os Haha e o Chiadma. Regraga significa em Tachelhit, abençoados.
Diogo de Azambuja foi governador do Castelo Real em 1506 e 1507, seguindo-lhe Francisco de Miranda de 1507 a 1509, D. Pedro de Azevedo e finalmente Nicolau Sousa.
Em 1510 os Beni Regraga apoderam-se do Castelo Real, que ficou abandonado após a conquista, sendo progressivamente desmantelado. As circunstâncias em que o Castelo Real foi tomado não são claras, como refere Dias Farinha _ “Os portugueses abandonaram Mogador em 1510, em circunstâncias mal conhecidas.” (FARINHA, 1999, p. 25)
Apesar de ter sofrido bastantes danos após o seu abandono, o Castelo Real manteve-se no local até à construção da Casbah de Essaouira no século XVIII.
“Sabemos, com efeito, que ele não foi inteiramente destruído depois do seu abandono por Portugal porque, em 1577, as suas ruínas foram visitadas pelo almirante inglês Francis Drake ou, pelo menos, por alguns dos seus companheiros de viagem: “tendo feito aprovisionamento de madeira e visitado um velho forte construído outrora pelo rei de Portugal, mas actualmente arruinado pelo rei de Fez, nós partimos”, atesta um relatório anónimo de viagem.” (LOBO, 2012, página electrónica citada)
Imagem do Castelo Real de Mogador . gravura de Adriaen Matham de 1641
No reinado do sultão Mulai Abdelmalek, no ano de 1628, o castelo é recuperado. Numa gravura do século XVII, do pintor holandês Adriaen Matham, o Castelo Real é representado, pensando-se que as suas características já teriam sido alteradas pelas obras realizadas por Mulai Abdelmalek, já que originalmente teria seguido o modelo português corrente, baseado num quadrado com quatro torres cilíndricas nos cunhais.
Em medos do século XVIII Mogador é totalmente reconstruída, passando a chamar-se Essaouira, a bem desenhada. A intervenção é promovida pelo sultão Sidi Mohamed Ben Abdellah, responsável por importantes obras em todo o reino, sobretudo nas cidades costeiras afectadas pelo terramoto e tsunami de 1755.
A construção da Casbah e Muralha da Cidade é entregue ao arquitecto militar francês Théodore Cornut, um cativo convertido ao Islão, que utiliza na obra centenas de prisioneiros franceses da tentativa falhada de conquista de Larache de 1765.
Planta de Essaouira de 1767 de Théodore Cornut
Detalhe da mesma planta com a referência ao Castelo Real, em cima, à esquerda
Na planta de Cornut o Castelo Real é representado e implantado no seu local. “No desenho do castelo está indicada a porta e o pátio. Tem uma legenda que refere “o antigo castelo construído pelos portugueses, de que pouco resta e que foi abandonado há quatrocentos anos”. (LOBO, 2012, página electrónica citada)
A Porte de La Marine e a Sqala do Mar
A construção do porto de Essaouira e das duas Sqala em 1769, confiadas ao renegado Inglês Ahmed El-Inglizi, fez desaparecer os últimos vestígios do Castelo Real. Ahmed El Inglizi (Ahmed o Inglês) ou Ahmed Laalaj (Ahmed o Renegado) foi um arquitecto e engenheiro inglês que se converteu ao Islão e se juntou aos Corsários de Salé ou Salé Rovers, tendo posteriormente trabalhado para o sultão Sidi Mohamed Ben Abdellah.
Na intervenção de Ahmed El Inglizi foram reutilizadas as pedras do Castelo Real, e no seu lugar ergue-se hoje um baluarte circular chamado Borj El Barmil. “Pedras estas cuja reutilização para a construção da Porte de La Marine, da plataforma portuária e das duas scala do novo porto de Mogador eliminaria irreversivelmente o castelo da paisagem costeira.” (CORREIA, 2008, p. 336)
As fortificações de Essaouira são posteriormente complementadas com a construção de outras fortalezas situadas nas várias ilhas e rochedos, reforçando a eficácia do fogo cruzado.
Uma das portas da Medina de Essaouira
Actualmente não restam quaisquer vestígios do Castelo Real de Mogador, a não ser algumas pedras integradas nas fortificações do século XVIII, como referem Francisco Sousa Lobo e Jorge Correia:
“A localização do Castelo Real permanece “lendária” para a população de Essaouira, bem como para os visitantes. Isto acontece porque já não é visível qualquer vestígio do castelo. Os seus restos são, muitas vezes, referidos em relação à ruína de um bastião do século XVIII que o mar vai destruindo nas dunas da praia.” (LOBO, 2012, página electrónica citada)
“Hoje nada resta do edifício português. Enganam-se aqueles que teimam em reconhecer em ruínas de fortificações sobre a ilhota vizinha do actual porto da cidade de Essaouira ou sobre o areal da praia os vestígios do castelo de Diogo de Azambuja.” (CORREIA, 2008, p. 336)
Bibliografia:
CORREIA, Jorge. “Implantação da Cidade Portuguesa no Norte de África. Da tomada de Ceuta a meados do século XVI”. FAUP publicações. Porto 2008
FARINHA, António Dias. “Os Portugueses em Marrocos”. Instituto Camões, 1999
LOBO, Francisco Sousa. “Arquitectura Militar. Essaouira (Mogador)”. HPIP Património de Influência Portuguesa. Fundação Calouste Gulbenkian, 2012. http://www.hpip.org/def/pt/Homepage/Obra?a=1931
Como é hábito excelente publicação , mabrouk !
Obrigado. Allah yebarek fik
Parabéns pelo excelente trabalho.
Obrigado