Ilustração do livro Maqamat Al-Hariri de 1237 executada por Yahya Ibn Mahmud Al Wasiti
O Gharb Al-Andalus, ou Ocidente do Al-Andalus, é o nome do território da Península Ibérica durante o período Árabe, “grosso modo” correspondente à antiga província da Lusitânia Romana. Inclui o actual Sul de Portugal, limitado a Norte de forma inconstante pelos diferentes traçados que a linha de fronteira com os Reinos Cristãos apresentou, e parte das actuais Andalusia, Extremadura e Castilla e Leon Espanholas.
Este artigo pretende descrever os acontecimentos mais relevantes da história do Gharb Al-Andalus, no contexto da sua cronologia, desde a nomeação de Mussa Ibn Nussayr como governador da Ifriqya em 698, até à conquista de Aljezur por D. Paio Peres Correia no ano de 1249.
Ilustração do livro Maqamat Al-Hariri de 1237 executada por Yahya Ibn Mahmud Al Wasiti
698 _ Nomeação de Mussa Ibn Nussayr pelo Califa Omíada de Damasco como governador da Ifriqya.
A Hispânia Visigoda encontra-se num estado caótico. À degradação económica e social, e à insegurança nos campos e cidades, junta-se a guerra civil levada a cabo pelos descendentes do falecido rei Vitiza, coligados com o bispo Opa de Sevilha, contra um nobre de nome Rodrigo que tinha usurpado o poder. Os Vitizianos pedem auxílio a Mussa para derrotar Rodrigo.
710 _ Incursão ao Al-Andalus de Tarif Ben Xamaún no local onde hoje se situa a cidade de Tarifa, que tomou o seu nome.
711 _ Tarik Ibn Zyad atravessa o Estreito de Gibraltar com um exército de 7.000 Berberes rifenhos da Confederação Nafza e acampa junto ao monte que adquire o seu nome _ Jebel Tarik ou Gibraltar. Derrota as forças de Rodrigo na Batalha do Lago de Janda ou de Guadalete, nas margens do Rio Barbate. Tarik prossegue para Norte e vai ocupar Córdoba, que se rende sem luta, e Toledo, capital dos Visigodos, que conquista.
712 _ Mussa Ibn Nussayr entra no Al-Andalus com um poderoso exército Árabe composto de Yemenitas e Caissídas, reforçado por oficiais Berberes, e toma Sevilha. Daí dirige-se para Ocidente com o seu filho Abdelaziz Ben Mussa e ocupa Niebla, Beja e Ossónoba (Faro), que se entregam sem resistência, dirigindo-se depois para Mérida que é cercada.
713 _ Durante o cerco de Mérida, os Vitizianos revoltam-se em Sevilha, dado que Mussa não lhes entregara a cidade, colocando no poder uma administração de Judeus. Niebla e Beja acompanham a revolta, mas Abdelaziz retoma estas duas cidades. Mérida rende-se após vários meses de cerco. Nos termos da rendição foi garantida aos cristãos a posse das suas terras e total liberdade de culto. As terras dos mortos, dos que fugiram para Norte e da Igreja passaram para as mãos dos vencedores. No cerco de Mérida foi aprisionada Egilona, mulher de Rodrigo, que se viria a casar com Abdelaziz. Após a tomada de Mérida, Tarik encontra-se com Mussa junto a Talavera, num local chamado Almaraz e daí partiram juntos para Toledo. Évora é ocupada neste ano sem combate.
714 _ Santarém, Lisboa e Coimbra entregam-se sem combate a Abdelaziz Ben Mussa, que garantiu aos cristãos dessas regiões a plena posse das suas terras, conforme relata o historiador Mohamed Ibn Muzayne de Silves. Mussa regressa ao Gharb, vindo de Saragoça, preparando a campanha para a tomada do Norte da Lusitânia e Galiza, mas a deterioração das suas relações com Tarik chega aos ouvidos do Califa Omíada, que envia Arrúmi com ordens para os levar para Damasco. Tarik partiu, mas Mussa convenceu Arrúmi a permitir-lhe que conquistasse o Noroeste da Península. Estabelecendo a sua base em Astorga, anteriormente conquistada por Tarik, Mussa conquista o Lugo, Chaves, Viseu e Braga. Nesse ano regressa a Damasco, deixando o seu filho Abdelaziz no governo do Gharb Al-Andalus.
A conquista do Gharb Al-Andalus é sobretudo alcançada através de acordos com as comunidades Hispânicas, a quem são garantidos os seus direitos em termos de posse das suas terras e bens e liberdade religiosa e social.
Conforme referido anteriormente, integrado nas tropas de Mussa vem um importante destacamento de Árabes do Yemen, que ocupam o actual Algarve. O seu chefe, Abu Sabah Al-Yamani é nomeado governador da Kura (província) de Ossónoba, cuja capital é a cidade de Silves. Para além dos Yemenitas, instala-se na zona de Faro um destacamento do Jund (exército) de Egípcios.
Ilustração do livro Maqamat Al-Hariri de 1237 executada por Yahya Ibn Mahmud Al Wasiti
732 _ O governador do Al-Andalus, Abderahman é derrotado na batalha de Poitiers, pondo fim às pretensões Árabes de ocupar a Gália.
741 _ Entrada na Península de tropas sírias, no seguimento de várias revoltas que estalam com o objectivo de contestação ao poder centralizado instituído no âmbito do Califa de Damasco.
750 _ Queda do Califado Omíada de Damasco e instituição do Califado Abássida de Bagdad. Os Omíadas são chacinados no chamado massacre de Abu Fotros, mas dois príncipes, Abderahman e Idriss conseguem fugir para o Magrebe. No Andalus o novo poder Abássida é entregue ao governador Yussuf.
756 _ Abderahman, príncipe Omíada refugiado no Rif, atravessa o Estreito de Gibraltar com um exército de Berberes Zenata, derrota os Abássidas e institui o Emirato Omíada de Córdoba, tomando o nome de Abderahman I. As tropas do Jund egípcio são expulsas do Al-Andalus pelo facto de terem apoiado o representante dos Abássidas, Yussuf, na oposição à entrada dos Omíadas na Península.
764 _ Tribos Berberes revoltam-se na região do Alentejo, comandados por um “fanático aventureiro” de nome Xáquia, sendo a revolta dominada pelo Emir seis anos depois.
Revolta dos Yemenitas de Silves. Apesar de Abu Sabah se ter revoltado contra Abderahman, o facto de o ter ajudado na conquista do Gharb Al-Andalus pesou para que fosse perdoado.
Neste período ocorrem revoltas cristãs e os moradores de Valência transportam por mar os restos mortais do mártir São Vicente para o Promontório Sacrum, hoje Cabo de S. Vicente, de acordo com a Crónica do Mouro Rasis.
844 _ Primeira invasão Normanda. Ataques a Lisboa, Sevilha, Ossónoba, Beja e Setúbal.
859 _ Segunda invasão Normanda, com ataques na costa Ocidental de Portugal, Sevilha e à cidade de Nakur em Marrocos.
875 _ Revolta de Ibn Maruan, o Galego, muladi de Mérida que estabelece em Badajoz e Marvão um reino independente que duraria até ao ano de 925. A revolta de Ibn Maruan daria início a revoltas generalizadas protagonizadas pelos muladis de Beja e sobretudo pelos de Ossónoba.
879 _ Início da Revolta dos Muladis de Xantamarya Al-Gharb, nome que a cidade de Ossónoba adopta nesta altura, ou dos Becres (Banu Bakr). A revolta prolongou-se por três gerações, protagonizadas por Yahya Ben Bakr, Bakr Ben Yahya e Cálafe Ben Bakr. Apesar de a cidade de Xantamarya se afirmar como o centro da revolta, sendo fortificada, a capital dos Bakr é instituída em Silves, que a partir desta data adquire a sua notoriedade.
Ilustração do livro Maqamat Al-Hariri de 1237 executada por Yahya Ibn Mahmud Al Wasiti
929 _ O Emir de Córdoba Abderahman III termina com a revolta e institui o Califado Omíada de Córdoba, proclamando-se Príncipe dos Crentes. Nos termos da rendição de Cálafe pesou o seu grande prestígio no Algarve, que continuou a governar, reconhecendo o poder do novo Califa e prestando-lhe vassalagem.
936 _ Início da construção da Medina Zahra, por Abderahman III, em honra à sua mulher Zahra. Cidade localizada a poucos quilómetros de Córdoba que se tornaria na residência e sede do poder Califal, uma espécie de Versailles Omíada.
978 _ Abu Amir Muhammad Ibn Abdullah Ibn Abi Amir, de cognome Al-Mansur, Almançor “o vitorioso”, assume o poder como hájibe (primeiro ministro) do Califa Hixam, que remete para um papel de figura meramente decorativa. Construção da Medina Zahira, cidade pessoal de Almançor.
977-997 _ Campanhas de Almançor contra os reinos Cristãos. Destruição de Santiago de Compostela e Barcelona.
1002 _ Morte de Almançor.
1023 _ Início da desintegração do Califado Omíada, com a proclamação do Reino Abádida de Sevilha.
1031 _ Queda do Califado de Córdoba e fracionamento do Al-Andalus em reinos independentes ou Reinos de Taifas (do Árabe muluk at-tawaif, ou reinos fraccionados). No Sul do território hoje ocupado por Portugal, constituem-se quatro reinos de taifas _ um grande reino na zona mais a Norte com capital em Batalyaws (Badajoz), um reino correspondendo à região do Baixo Alentejo com capital em Mârtula (Mértola) e dois reinos no actual Algarve, concretamente os reinos de Xilb (Silves) e Xantamarya (Faro). A Taifa de Xilb é governada pelos Banu Muzayn, família de historiadores e poetas, e a taifa de Xantamarya, Faro, é governada pelos Beni Harun, família de poetas, tomando a cidade o nome de Xantamarya Ibn Harun, nome que viria a evoluir para Faarun e actualmente Faro.
1053 – Conquista de Silves por Al-Mu’tadid e integração do seu território no Reino Abádida. Início do governo do seu filho Al-Mu’tamid Ibn ‘Abad em Silves.
1063 _ Al-Mu’tamid sucede ao seu pai no governo da Taifa Abádida em Sevilha, nomeando Abu Bakr Ibn ‘Amar “al-Andalusi” governador de Silves.
1086 _ Pedido de auxílio de Al-Mu’tamid e restantes reinos de taifas aos Almoravidas para derrotar a ameaça dos reinos Cristãos. Batalha de Zalaca, na qual as forças coligadas dos Reinos de Taifas e Almorávidas derrotam o exército de Afonso VI de Castela e Leão, reforçado com tropas de Rodrigo Diaz de Vivar, El Cid, o campeador.
1091 _ Unificação do Al-Andalus sob o poder Almorávida. Desterro de Al-Mu’tamid e sua mulher ‘Itimad Rumaikya para Aghmat.
1095 _ Morte da Al-Mu’tamid no cativeiro de Aghmat.
1114-1116 _ Expedições marítimas Almorávidas à Galiza.
1125-1126 _ Início de um período de intolerância religiosa provocado pelos fanáticos Almorávidas. Revoltas Moçárabes no Al-Andalus.
1136 _ Revolta Moçárabe em Ossónoba (Faro).
1137 _ Partida de Yussuf Ibn Tashfin, chefe dos Almorávidas, para Marrocos, para combater os Almóadas, a segunda dinastia Berbere a ser instituída, tão intolerante e fanática quanto a precedente..
1139 _ Os Almorávidas são derrotados pelo exército de Ibn Arrik Al-Burtuqali (Afonso Henriques) na Batalha de Ourique.
Ilustração do livro Maqamat Al-Hariri de 1237 executada por Yahya Ibn Mahmud Al Wasiti
1144 _ Revolta de Ibn Qasi e do movimento Murudine. Instituição dos 2º Reinos de Taifas. A revolta inicia-se em Mértola, estendendo-se a Beja, Monchique, Silves, Ossónoba, Huelva Niebla e Saltes. Ibn Qasi estabelece a sua capital em Silves e o seu centro de operações e retiro espiritual no ribat da Arrifana.
1145 _ Tentativas falhadas dos Muridinos para conquistar Sevilha e Córdoba. Ibn Uarzir, governador de Beja, Évora e Badojoz, alia-se aos Almorávidas de Ibn Gânia de Sevilha e põe em risco o poder de Ibn Qasi.
1146 _ Pedido de auxílio de Ibn Qasi ao Almóada Abdel Mumen, que para o efeito se desloca a Salé, em Marrocos.
1147 _ Invasão Almóada da Península. Inicialmente a entrada dos Almóadas é conduzida por Barraz, antigo general Almorávida, apoiado por Ibn Qasi e pelo próprio Ibn Uazir. Posteriormente entra-se num período de guerra tripartida entre Reinos de Taifas, Almorávidas e Almóadas. Os reis de taifas prestam vassalagem aos Almóadas de Abdel Mumen, excepto Ibn Qasi.
Aliança entre Ibn Qasi e Afonso Henriques e entre os Almóadas e Afonso VI. Conquista de Lisboa por Ibn Arrik com o apoio dos Franj (cruzados). Massacre de parte da população de Lisboa pelos Franj, após a sua rendição. Conquista de Santarém, Almada e Palmela por Afonso Henriques.
1151 _ Assassínio de Ibn Qasi.
1157 _ Unificação do Gharb Al-Andalus sob o poder Almóada.
1157-1190 _ Ofensivas de Yaqub Al-Mansur, travadas pelos Templários de Gualdim Pais no Vale do Tejo.
1158 _ Conquista de Alcácer do Sal por Afonso Henriques.
1162 _ Conquista de Beja por Afonso Henriques.
1165 _ Início da actividade de Geraldo Geraldes “o Sem Pavor”. Conquista de Évora.
1189 _ Conquista de Alvor pelos Franj, onde são massacrados 6.000 dos seus habitantes. Conquista de Silves por D. Sancho I com a ajuda dos Franj. A cidade pede rendição, que D. Sancho aceita, mas os Franj exigem o saque e o massacre. Ibn Uazir consegue fugir exilar-se em Sevilha com um grupo de combatentes, mas os Franj encerram a cidade e massacram a sua população. Dos seus 30.000 habitantes só terão sobrevivido 15.000. No final D. Sancho incompatibiliza-se com os Franj, já que os portugueses queriam a cidade ocupada pelas suas tropas para a manterem, mas os Franj queriam a sua destruição total. Conquista de Lagos, Monchique, Messines e Albufeira por D. Sancho.
1190 _ Yacub Al-Mansur põe cerco a Silves e reconquista o Sul do Gharb Al-Andalus até Torres Novas.
1191 _ Reconquista de Silves, Alcácer, Palmela e Almada por Yacub e Ibn Uazir.
1195 _ Derrota dos Cristãos na Batalha de Alarcos.
1212 _ Batalha de Navas de Tolosa, na qual os Almóadas são derrotados por uma coligação cristã liderada por Afonso VIII de Castela e que integra os reinos de Leão, Portugal, Navarra e Aragão e as ordens militares de Santiago, Calatrava, Hospitalários e Templários marca o início da desagregação da dominação Almóada no Al-Andalus, abrindo as portas ao 3º e último período de Reinos de Taifas. O Sul de Portugal, cuja fronteira Norte não passava de Alcácer e Beja, integra-se na Taifa de Niebla.
1234 _ Conquista de Aljustrel por D. Paio Peres Correia.
1240 _ Conquista de Cacela por D. Paio Peres Correia.
1242 _Conquista de Tavira por D. Paio Peres Correia.
1247 _ Conquista de Niebla.
1249 _ Campanha de D. Afonso III e D. Paio para a conquista do Algarve. Conquista de Faro. D. Afonso III regressa a Lisbooa e a conquista do Algarve é confiada a D. Paio. Conquista de Albufeira, Estômbar, Silves, Loulé e Aljezur.
Mapa do Al-Andalus de Al Idrisi de 1154 . o mapa encontra-se orientado no sentido Sul
Bibliografia
ALVES, Adalberto . “O Meu Coração é Árabe . Assírio & Alvim, Lisboa 1987
COELHO, António Borges . “Portugal na Espanha Árabe” . Editorial Caminho, Lisboa, 1989
DOMINGUES, José Garcia . “História Luso-Árabe” . Centro de estudos Luso-Árabes de Silves, 2010
DOMINGUES, José Garcia . “O Gharb Al-Andalus” . Centro de Estudos Luso-Árabes de Silves, Faro, 2011
DOMINGUES, José Garcia . “Portugal e o Al-Andalus” . Hugin, Lisboa, 1997
PAULA, Frederico Mendes . “Lagos no Período Árabe” . Câmara Municipal de Lagos, 1997
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